Petrobras: Passado, Presente e Futuro
Jean Marc von der Weid, Abril de 2024
A polêmica sobre a demissão do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates não está sendo aberta ao público pelos atores envolvidos. O próprio Prates, o presidente Lula, o Ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira e o chefe da Casa Civil, Rui Costa se esmeram em esconder o centro da crise e as razões que levam à ardente fritura do presidente da Petrobras. Quando este texto for divulgado, o novo dirigente da estatal já deverá estar nomeado e até empossado, tal a temperatura do óleo usado no processo. Mercadante? É a bola da vez, mas o que é que ele pensa sobre a ameaça de uma crise energética mundial? Que propõe como política energética para o Brasil? E como vê o papel da Petrobras na atualidade e no futuro?
A Petrobras foi criada contra a opinião dominante entre as elites econômicas do Brasil, depois de uma ampla campanha com o slogan “o petróleo é nosso”. Era o começo dos anos 50 e o objetivo mais ambicioso era a auto-suficiência em combustíveis. Mas por algumas décadas, a prospecção de petróleo no Brasil, centrada na terra firme, deu pouco resultado e a nossa dependência foi se ampliando. Com a opção do governo Juscelino pelos transportes terrestres em carros e caminhões, a demanda foi crescendo enquanto a produção continuou minguada. Algo avançamos no refino e na distribuição, com um papel dominante da Petrobras. Não faltou quem questionasse a opção do Juscelino, defendendo investimentos em transporte por trens e de cabotagem, bem como na ênfase pelo transporte público nas cidades. Mas o petróleo era muito barato e a produção de veículos movidos a diesel e gasolina prevaleceu e definiu o nosso modal de transportes até hoje.
Tudo se complicou com a crise provocada pela OPEP em 1973, com um repique em 1979, que jogaram os preços do petróleo para as nuvens e drenaram recursos da nossa economia para suprir a demanda de combustíveis. A balança de pagamentos foi para o vermelho e levou muitos anos nesta cor. Por outro lado, a abundância de petrodólares facilitou a tomada de empréstimos pelo governo Geisel, levando a nossa dívida externa para patamares elevados. E tudo piorou mais ainda nos anos oitenta com a alta das taxas de juros dos empréstimos e do pagamento da dívida, num círculo vicioso arrasador que marcou o que ficou conhecido como a “década perdida”.
Com os preços do petróleo em patamares mais elevados, a prospecção na plataforma continental ficou viável. Em todo o mundo, as empresas petroleiras investiram nestas novas áreas, já que as áreas tradicionais já não estavam resultando em novos poços significativos e rentáveis. Mas as descobertas no Mar do Norte e no Golfo do México foram as únicas de grande porte. A Petrobras destacou-se por avanços tecnológicos que permitiram a localização de poços em águas ultra-profundas e no pré-sal, que passaram a ser operadas nos anos 2000. Foi a nossa entrada, tardia, no ranking dos países com reservas significativas, embora com custos entre os mais altos do planeta. O projeto da autossuficiência voltou à cena no primeiro governo do presidente Lula (embora nunca a tenhamos conseguido de forma estável), mais ainda pelo novo grande salto dos preços do óleo cru, em 2008.
Nos anos 2000, já se discutia em todo o mundo a aproximação daquilo que ficou conhecido como o “pico do petróleo” (peak oil, em inglês). A produção do petróleo convencional de fato chegou ao seu patamar de produção mais elevado, na segunda metade da década e muitos avaliavam que haveria um esgotamento na produção de todo tipo de combustível líquido nos anos seguintes. No entanto, os Estados Unidos investiram pesadamente na exploração do petróleo residual retido em poços já esgotados e em outras jazidas com o mesmo tipo de geologia. A tecnologia do “fraking” permitiu que os EUA voltassem a ser autossuficientes em petróleo pela primeira vez desde 1970, e empurrou a previsão do esgotamento das fontes líquidas de combustível para a terceira década do século 21. No entanto, trata-se de uma tecnologia cara e os poços explorados se esgotam rapidamente, exigindo novos investimentos em pouco tempo. O ritmo da extração deste tipo de óleo já está em desaceleração e alguns especialistas respeitáveis apontam para um pico nos próximos anos.
Enquanto isso, tanto governos, quanto grandes empresas petroleiras, estão investindo em fontes alternativas de energia em várias partes do mundo, muito embora não haja nenhum freio na extração das reservas conhecidas de petróleo, apesar do seu impacto sinistro no aquecimento global. Acredita-se que a ânsia de lucros vai manter este padrão até que se chegue ao ponto em que o investimento energético para extrair petróleo ou outro tipo de combustível líquido fóssil torne a operação impossível. Dane-se o planeta, desde que os lucros se acumulem e os investidores fiquem felizes.
No Brasil temos decisões cruciais a fazer. Mirar na autossuficiência de petróleo significa acelerar o esgotamento dos poços existentes e isto está previsto para o final desta década. A alternativa óbvia é investir na substituição dos combustíveis fósseis, e isto foi afirmado tanto por Lula, candidato e presidente, como por Prates. Mas tanto Prates quanto Lula estão apostando em ampliar a oferta de petróleo, com a proposta de exploração na plataforma setentrional. É um investimento elevado que poderia ser empregado no esforço de promoção de energia solar e eólica, em pesquisas sobre o “hidrogênio verde” e na mudança do modal de transportes no país. Além disso, esta aposta significa aumentar a nossa contribuição para o aquecimento global. Manter este padrão significa correr para o precipício que nos espera, no Brasil e no mundo, se deixarmos para enfrentar a crise energética anunciada quando ela explodir.
Há ainda outra objeção importante para esta política de torrar combustível fóssil “até a última gota”. É preciso lembrar que o petróleo não é apenas combustível, mas matéria prima para quase todo complexo industrial do mundo. E se já existem soluções alternativas para o uso de petróleo como combustível (embora não seja uma troca nem fácil nem sustentável por muito tempo), não existem substitutos para o petróleo como matéria prima para indústrias como plásticos, vestuário, medicamentos, computadores e muitas outras. Seria uma opção estratégica para o Brasil e para o mundo acelerar a substituição do uso do petróleo como combustível e guardar as reservas de petróleo para uso como matéria prima industrial, enquanto se pesquisam alternativas para o futuro.
Prates parece ter alguma noção dos contornos desta crise, embora não divulgue a sua análise. Digo isso porque ele deu mostras de que a Petrobras não deveria investir em refinarias, que foram rifadas a preço de banana nos governos de Temer e Bolsonaro. Isto só se explica se ele tiver consciência de que as refinarias (que representam um investimento elevado) vão ficar em desuso muito antes de amortizarem os gastos realizados. E, embora ele insista na exploração de novos poços no pré-sal, ele não deixa de insistir no papel da Petrobras enquanto empresa de energia e não só como empresa de petróleo. Infelizmente, o plano de investimentos da empresa na área de energias alternativas é pouco claro e pouco ambicioso. É preciso debater com a sociedade as metas, prazos e volumes de investimento relevantes para enfrentar a crise em gestação. Ele não fez isso até agora e pode ser substituído sem que estas questões de fundo fiquem claras para o público em geral. E não parece que Mercadante esteja disposto a enfrentar a tempestade perfeita de um debate que coloca travas no rumo adotado pelo novo governo Lula. Como em várias outras iniciativas, Lula está repetindo suas políticas do passado, tais como subsidiar a indústria automotora para estimular a economia. E pressionar a Petrobras para segurar os preços dos combustíveis, medida perfeita para quem não quer promover a sua substituição.
E porque, no fim das contas, Prates está sendo fritado? Aparentemente a causa é o pepino da distribuição dos dividendos, mas se esta é a causa, fica faltando saber o que seria feito com esses recursos. Fala-se em investir na construção de navios e plataformas para a Petrobras, ou na recompra de refinarias ou de empresas de distribuição. É gastar muito dinheiro olhando para trás. Estamos décadas atrasados neste debate.
Jean Marc von der Weid
Ex-presidente da UNE entre 1969 e 1971
Fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) em 1983
Membro do CONDRAF/MDA entre 2004 e 2016
Militante do movimento Geração 68 Sempre na Luta
Isabel Perez
08/04/24 @ 09:21
Excelente artigo, Jean Marc. Síntese das incertezas políticas e econômicas que o país atravessa. O governo Lula está preso a paradigmas ultrapassados e as chances de perdermos o bonde da história e entregar de bandeja o país ao neofascismo é muito grande. Lamentável!