NOÉ e a ARCA’RIOCA
S.Tarabá – cronista
Deus, depois de consultar o INMET, resolveu que Noé, seu mais valoroso discípulo, deveria construir uma arca para transportar alguns animais, pois a previsão era de uma tempestade com enchente de proporções bíblicas, que deixaria submersa até a estátua do Cristo Redentor.
Noé aceita a missão e começa a preparar sua lista com os bichos que levaria na arca.
Depois do vazamento pela imprensa da “sigilosa lista”, Noé recebe a visita de um homem acompanhado de vinte “seguranças”.
Ele diz para Noé que questões envolvendo “bicho”, somente ele poderia autorizar. Com isso, Noé se vê obrigado a aceitar que dez famílias de outros empreendedores zoológicos também viajassem, numa ala que eles mesmo construiriam, que teriam duas boates, um cassino, uma pista para desfile de carnaval e um haras.
Assustado, mas decidido a cumprir a missão a qualquer custo, Noé sai em busca do lugar ideal para sua mega construção naval. Encontra uma grande área descampada num bairro distante do Rio de Janeiro e começa a montar sua modesta marcenaria.
Nas primeiras horas de trabalho, é visitado por trinta homens fortemente armados, que saem de várias pick-ups Toyota Hilux, dizendo que eram os “donos” daquela região e que aquele local já estava reservado para um grande empreendimento imobiliário.
Noé contra-argumenta, explicando que a ordem que ele recebeu veio “de cima”, apontando para o céu, mas o líder do grupo lhe explicou que a única ordem “de cima” que ele respeitaria seria a do amigo que perdeu uma eleição “fraudada” há pouco tempo.
Sem tempo para conflitar, pois as chuvas já estavam programadas e seriam gravíssimas, segundo o Alerta Rio, Noé aceitou os termos dos “latifundiários”, que o obrigava comprar toda a madeira, pregos, cola, mantimentos etc., num mercadinho que eles iriam indicar, além de destinar todo o convés para eles montarem algumas barraquinhas de cigarro, relógios, celulares etc.
Mesmo sendo avisado de que iria ter que pagar um aluguel pelos quartos que ocuparia com a família, Noé, bastante desanimado, mas ciente de que tinha que obedecer a ordem divina, finalmente começa sua construção.
Depois de uma semana de céu nublado, sem chuvas, mas mantendo o alerta máximo conforme orientação do prefeito, Noé recebe a visita de fiscais do Ibama e do ICM-Bio, que interditam a obra, lhe aplicando multas que endividariam até sua terceira geração.
Bastante desolado, Noé resolve finalizar o barco mesmo de forma irregular.
Falido, cansado e já apresentando sintomas de dengue e Covid, ele consegue finalizar sua obra e começa a levar os animais para dentro da arca, pois já começavam a cair alguns pingos isolados. Quase terminado o embarque dos bichos, chegam duas viaturas do Batalhão Florestal da PM. Os policiais já descem dos carros enfiando o cacetete no pobre Noé, antes mesmo que ele explicasse o que estava fazendo. Depois de receber vários safanões e dois tapas na orelha, que o deixam desmaiado, Noé é colocado na caçapa do camburão, e consegue entender que estava sendo preso acusado de tráfico de animais silvestres.
Depois de algumas horas, ele acorda dentro de um prédio com aparência de abandonado, sem avistar qualquer pessoa ou bicho. Aliás, todos os bichos tinham desaparecido misteriosamente.
Depois de cinco horas sentado numa cadeira rasgada e sem tampo, é recebido por um homem que portava um distintivo, que aos risos lhe disse que ele iria apodrecer na cadeia porque aqui era permitido apenas “jogar” no bicho.
Apavorado, Noé fecha os olhos em oração e pergunta a Deus o que deveria fazer diante daquela tragédia. Deus lhe responde meio sem graça: – Vamos deixar isso para lá, porque a chuva foi bem moderada, e São Pedro já me deu uma bronca por não ter sido consultado!
Claudia Abreu
01/04/24 @ 18:19
Sobrevivência aos SENHORES!