Do povo, pelo povo e para o povo. Será?
Por Fred Ghedini*
Nossa democracia precisa de organização e participação popular para se transformar em uma verdadeira democracia participativa. Por isso, em agosto vamos lançar a Rede Democracia, na luta contra o Marco Temporal
A democracia é uma forma de organização política da sociedade em que o Estado – e os governos que o administram durante períodos definidos – vêm do povo, atuam pelo e para o povo. Assim é na teoria. Será assim na realidade da ampla maioria do povo brasileiro?
Com a participação da população organizada, teremos outra democracia
Aqui, um pouco do universo conceitual da luta da qual participo e para a qual convido todos(as) os(as) interessados(as) a participar.
A democracia no Brasil, nos poucos momentos em que tivemos essa forma de organização de governo ao longo da nossa história, sempre foi uma democracia para poucos. Isso, falando em termos dos impactos no quotidiano das pessoas, não apenas na esfera de funcionamento dos organismos de Estado e dos governos.
Na educação, na saúde, nas possibilidades de encontrar trabalho, no lazer… em qualquer aspecto que se tome, a enorme parcela empobrecida da população brasileira vive mal. Por isso, precisamos mudar. Para que seja uma democracia inclusiva, respeitadora dos direitos humanos, uma democracia que tenha relação com o viver bem da população.
Nos últimos anos, as coisas pioraram. Com a vitória no 30 de outubro do ano passado, ganhamos um respiro, um tempo para organizarmos os que prezam a democracia. É este o momento em que escrevo, como parte de um grupo de organizações e movimentos (leia no final do texto) vem se reunindo para criar um núcleo de rede chamado Rede Democracia (RedeD, de forma mais resumida).
Um núcleo especial para a rede democracia
Então, comecemos do começo. Por que Núcleo especial da Rede Democracia?
Pensando bem, a rede democracia já existe. Ela é muito ampla, disseminada e desconhece sua própria força. É integrada por milhares (com certeza dezenas de milhares, quiçá centenas de milhares) de grupos de pessoas e iniciativas existentes na sociedade brasileira. Grupos que lutam por uma democracia inclusiva, participativa, respeitadora dos direitos humanos. Em muitas áreas e temáticas diferentes.
Pois bem. Esse núcleo de rede que estamos criando, o RedeD, utiliza o nome fantasia de Rede Democracia. É um nome fantasia porque temos a noção muito clara de que essa rede é algo tão monumental quanto desarticulada, o que torna necessário um trabalho feito em duas frentes: cuidar da comunicação pela democracia com a população (uma comunicação popular, portanto) e operar, sistematicamente, pela articulação das lutas democráticas em busca de uma agenda comum. São as principais linhas de atuação da RedeD.
Fome nunca mais
Temos uma terceira linha de atuação – à qual não estamos podendo dedicar muita atenção no momento – que é o apoio à criação de Fóruns Sociais de vizinhança ou localidade Fome Nunca Mais. Porque superar a fome é um problema tão importante quanto complexo, difícil de resolver.
Imaginem que Josué de Castro publicou o seu livro mundialmente conhecido Geografia da Fome (recomendamos fortemente a leitura!), em 1946. Ele ficou famoso, foi dirigente da FAO (organização das Nações Unidas voltada para a Alimentação e a Agricultura) e… o que houve? Mais de 70 anos depois, quando o Brasil já tinha saído do Mapa da Fome (ONU), em 2014, depois de, eis que estamos de volta ao tal mapa. Não há glória nenhuma para os brasileiros que tenhamos voltado ao mapa maldito, após os governos Temer e Bolsonaro. Trataremos disso em um outro texto.
Marco Temporal: não passará!
Sobre a Rede Democracia, quero dizer, ainda, que ela será lançada publicamente em um evento que vai ocorrer entre 15 e 31 de agosto (a data será marca em breve), no território de uma das oito aldeias Guarani existentes na base do pico do Jaraguá, em Sampa.
Estamos criando uma comissão porreta para organizar esse evento, no qual pretendemos, em comum acordo com os Guaranis (e representantes de todos os povos indígenas do país) dizer, em alto e bom sim: MARCO TEMPORAL: NAO PASSARÁ!
O marco temporal é um projeto de lei, aprovado por enquanto pela Câmara Federal, que diz que os povos indígenas que não entraram com o pedido de demarcação de suas terras até a aprovação da Constituição Federal de 1988, não têm mais o direito a ter as terras demarcadas.
É uma coisa tão absurda que não se pode entender como a maioria dos deputados votaram a favor de uma excrecência tão brutal. Basta imaginar que há etnias indígenas que têm pouco contato com a sociedade brasileira na Amazônia, ainda hoje. Como elas poderiam ter entrado com o pedido de demarcação de suas terras se praticamente não mantinham contato com os demais viventes do nosso imenso território?
Na prática, o chamado Marco Temporal pretende tornar lei que se continue o processo vivido pelos indígenas há 523 anos de expropriação, assassinatos (por armas de fogo ou pela transmissão de doenças), tomada de suas terras, escravização, pilhagem e tudo o mais, ad eternum, com o apoio do poder do Estado.
O povo brasileiro não pode compactuar com isso. Não precisamos das terras indígenas para produzir o alimento necessário para manter brasileiros e muito mais gente alimentada, mundo afora. Essa excrecência só interessa a uma parte dos proprietários de terras (latifundiários e grileiros, principalmente), a uma parte do agronegócio e aos adeptos da política de morte (necropolítica) que governaram o país durante os quatro anos do governo Bolsonaro.
Os povos originários e a negritude já foram por demais massacrados nos últimos séculos. Não toleraremos que isso continue.
Dizer é fácil, mas fazer…
É lógico que fica fácil dizer uma coisa dessas: o Marco Temporal não passará! Mas, para isso, é preciso vencer a guerra, o que não será nada fácil. Só que enfrentar dificuldades não é nenhuma novidade neste país em que a esmagadora maioria dos habitantes come o pão que o diabo amassou. Quando come! Então, vamos à luta.
Será criada uma comissão organizadora especificamente para o evento do Lançamento da Rede Democracia e do ato contra o Marco Temporal, entre 15 e 31 de agosto (como já foi dito, a data será escolhida em comum com os indígenas).
Deixo aqui o convite para você e a organização ou movimento do qual você participa: venha fazer parte da organização desse dia em que pretendemos nos encontrar em terra indígena para dizer:
“Obrigado por nos convidar. Se viemos aqui a convite, está claro que não pretendemos tomar nada de vocês, roubar os recursos que vocês necessitam para viver e manter viva sua cultura. Também não viemos para extrair madeira e minérios de suas terras e muito menos para escravizá-los ou coisas do tipo. Viemos para trocar conhecimentos – sabemos que temos muito a aprender com vocês – e principalmente, para lutarmos juntos contra o projeto de lei do Marco Temporal. “
São Paulo, 5 de julho de 2023.
Quem participa da RedeD até agora
– Academia Paulista de Direito
– Comissão Justiça e Paz de São Paulo
– Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Liberais Regulamentados – CNTU
– Engenharia pela Democracia – EngD – já indicou representantes
– Fórum 21
– Frente Inter Religiosa Dom Paulo Evaristo Arns
– Instituto Ciência na Rua
– Movimento Geração 68 Sempre na luta – G68
– Site O Candeeiro
Empresas que apoiam a Rede Democracia
– Via TV (Rubens Cachoeira)
– Photoação/Agência DHCom (Wanderley de Oliveira)
– Prima Estúdio (Rubens e Miriam Meyer)
– Pyra Arte&Empresa (Tadeu Di Pyetro e Roberto Marti)
P.S.: Para quem não está entendendo bem do que estamos falando, sugiro a leitura do excelente artigo recém publicado pelo meu amigo e também jornalista Luís Nassif: https://jornalggn.com.br/debate/a-curiosa-discussao-do-relativismo-da-democracia-por-luis-nassif/
E tem também o pessoal do Politize! (https://www.politize.com.br/) que faz um trabalho muito legal com a juventude. Obviamente eles já fazem parte desse mar de imensidão que é a rede democracia, assim como centenas de milhares de grupos de ativistas que se reúnem e agem em nosso país.
*Fred Ghedini, jornalista, pesquisador e ativista do Geração 68 Sempre na luta. Atualmente me dedico especialmente à participação no movimento Geração 68 e à construção da Rede Democracia.