As Origens da Questão Palestina
Andrew Traumann – Professor de História das Relações Internacionais no UniCuritiba e Coordenador da Pós-graduação em História do Oriente da PUC PR
No princípio da era cristã, com o domínio dos romanos sobre os judeus, inicia-se um processo denominado diáspora judaica, em que o povo judeu se espalhou por todo o mundo. Apesar desta dispersão, possuíam ainda o desejo de retornarem à sua Terra Prometida. Após o fim do Império Otomano e consequente controle da região palestina pela Inglaterra no princípio do século XX, este sonho passa a ganhar forma.
Esta possibilidade começou a se materializar com o surgimento do sionismo, um movimento criado por Theodor Herzl, no final do século XIX e que pregava o retorno ao Sion, nome bíblico de Canaã, a Terra Prometida. Em 1917, Lord Balfour, secretário inglês para assuntos externos, publicou uma declaração apoiando a migração e o estabelecimento de um lar para o povo judeu, sob a garantia de que os povos não-judeus não seriam em nada prejudicados. A assim chamada Declaração Balfour foi considerada pelos sionistas um sinal de aprovação e o movimento migratório rumo à Palestina intensificou-se.
Em meados da década de 1930, com ascensão nazista, cresce a pressão sionista sobre a Inglaterra para que fossem ampliados os limites de imigração. A Inglaterra hesitou muito para liberar a imigração judaica, pois sabia os problemas que isso podia acarretar com os povos árabes. Devido à forte influência da militante comunidade judaica norte-americana, a questão da criação de um estado judeu na Palestina se tornou central nas relações anglo-americanas. A pressão norte-americana, aliada aos ataques de grupos armados judeus, fez com que os ingleses decidissem expor a questão a então recém-criada ONU. Os ingleses se retiram da Palestina e em 14/5/1948 é criado o Estado de Israel, que, mesmo sendo minoria, fica com 55% do território da Palestina, enquanto os árabes ficariam com os 45% restantes. Naquele mesmo dia forças iraquianas, egípcias, libanesas, sírias e jordanianas avançaram sobre as partes árabes do novo país. Era o início da primeira guerra árabe-israelense. Sem grandes dificuldades o estado judeu derrotou seus oponentes e passou a dominar 75% do território da Palestina. Um dos fatores que levaram à vitória israelense foi, além do apoio norte-americano, de sua impressionante organização militar. Com a criação do Estado de Israel, entre 700.000 e 800.000 palestinos (80%) foram expulsos de suas casas e terras, 531 cidades palestinas foram destruídas, ou rebatizadas, fazendo com que sua existência um dia fosse simplesmente varrida da História. Para Yasser Arafat, que desde 1946 já participava de um pequeno grupo guerrilheiro e se tornaria o líder maior da causa palestina, faltou vontade aos países árabes de realmente ajudar os palestinos. A ideia de que estes só podiam contar com si próprios foi reforçada pelo fato de que os militantes palestinos terem sido desarmados pelos exércitos regulares árabes. Ao fim do conflito, o Egito dominava a Faixa de Gaza, e a Jordânia, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Os palestinos com nada ficaram. Outros dois conflitos marcantes foram a Guerra dos Seis Dias, quando num ataque preventivo a uma suposta ameaça egípcia, entre 04 e 10/06/1967, Israel capturou a Cisjordânia, Faixa de Gaza, Colinas de Golã, Jerusalém e Península do Sinai. Israel anexa Jerusalém em definitivo logo em seguida chamando-a de capital “eterna e indivisível” e faz o mesmo com as Colinas de Golã em 1982, alegando questões estratégicas. A resolução 242 da ONU ordena a retirada dos territórios ocupados, o direito de retorno dos refugiados e o direito de ambos os povos de viverem em paz e segurança. A Península do Sinai foi devolvida ao Egito em 1978 e a Faixa de Gaza foi desocupada em 2005 no governo de Ariel Sharon. A Cisjordânia, assim como a já citada Jerusalém, segue sob ocupação, apesar da ANP, Autoridade Nacional Palestina, possuir poder administrativo em algumas cidades. Outro conflito importante foi a Guerra do Yom Kippur de 1973, quando neste feriado judaico Egito e Síria numa ação coordenada tentam recuperar seus territórios perdidos. Assim como agora, Israel encontrava-se imerso em questões internas e a então primeira-ministra Golda Meir dizia que “nada tinha a discutir com os árabes.”
O atual governo de Benjamin Netanyahu esteve envolto em controvérsias desde o primeiro dia. Acusado de corrupção, Bibi como é conhecido, aliou-se ao que há de mais retrógrado na política israelense. Sua base eleitoral são colonos judeus ultra ortodoxos que veem como obrigação religiosa, a ocupação judaica da Cisjordânia, que é, sem sombra de dúvidas, o principal obstáculo a criação de um Estado Palestino. Some-se a isso, a sua reforma judicial que na prática tornaria inoperante o Judiciário israelense. Explico: historicamente, a Suprema Corte israelense, assim como a norte-americana, costuma intervir em casos referentes a direitos civis e violações de direitos humanos. Assim, era ela que intervinha em casos de denúncias de abusos de poder ou casos mais graves na Cisjordânia ocupada. Agora, basta a maioria simples do Knesset (o parlamento israelense), atualmente controlado por Bibi, para que qualquer decisão da Suprema Corte seja vetada.
A chamada Questão Palestina encontrava-se esquecida. Os sucessivos mandatos de Netanyahu tratavam o tema como “administração de crise”, ou seja, a “solução” seria manter tudo como está indefinidamente e lidar com questões de segurança pontuais. Apesar de o Hamas governar a Faixa de Gaza desde 2006, o espaço aéreo e marítimo é controlado por Israel, assim como a entrada de alimentos, combustíveis, água, eletricidade e medicamentos.
E foi nesse contexto que ocorreram os ataques de 07 de outubro último. Homens fortemente armados, entraram em território israelense matando homens, mulheres e crianças, violando e levando dezenas de cidadãos do estado judeu como reféns para Gaza. A reação israelense foi de choque e os mais de 700 mortos configuram o maior número de judeus mortos desde o Holocausto.
Internacionalmente, Israel evidentemente contou com uma dose quase universal de empatia, excluindo-se Irã, Síria, Hezbollah e algumas declarações mais frias ou neutras de Rússia e China. No momento, a ONU tem condenado os ataques israelenses e a crise humanitária propositalmente agravada por Israel. O Ministro da Defesa Yoav Galant chegou a afirmar, sem diferenciar civis de terroristas, que “eles são animais e serão tratados como tais” e que não permitiria sequer a entrada de alimentos. O Brasil, que no momento preside de forma rotativa o Conselho de Segurança da ONU tem tentado sem sucesso obter uma resolução que crie corredores humanitários e um cessar-fogo na região. Seus principais obstáculos são a ânsia de protagonismo dos países membros do CS, especialmente EUA e Grã-Bretanha. No dia 18 de outubro, a resolução sugerida pelo Brasil foi vetada pelos EUA por não conter explicitamente a expressão “Israel tem o direito de se defender”. Ora, alguém em sã consciência negaria esse direito após os trágicos acontecimentos de 7 de outubro, ainda mais numa região em que uma não resposta poderia ser interpretada como fraqueza? A verdade é que o presidente Joe Biden após gastar quase todo o seu mandato fazendo da Guerra da Ucrânia praticamente seu único tema de política externa decidiu viajar a Israel e se apresentar como o grande amigo de Israel. Tal postura causou irritação em seus aliados árabes que o receberam com extrema má vontade. O príncipe herdeiro saudita Muhammad bin Salman por exemplo, deixou o mandatário norte-americano esperando por mais de quatro horas até que se dignasse a recebê-lo. Não muitos anos atrás tal atitude seria inimaginável. Biden colaborou com essa imagem de não ser um mediador confiável ao dizer que um foguete que atingiu um hospital em Gaza, matando cerca de 500 pessoas, teria sido lançado “pelo outro time”. Ao retornar, praticamente nada foi feito para aliviar o sofrimento daqueles que estão em meio ao fogo cruzado.
O governo de Netanyahu, que começou sua retaliação quase que imediatamente no momento em que escrevo este artigo, coloca Israel numa encruzilhada, pois a medida que as imagens das atrocidades cometidas pelo Hamas vão sendo substituídas pelas dos bombardeios e da gravíssima crise humanitária na Faixa de Gaza, a comunidade internacional e até parte da opinião pública israelense se questiona sobre até onde Israel deve ir em sua resposta. Será a punição coletiva a melhor solução? Esta não seria contraproducente, uma vez que deve aumentar e muito o ressentimento contra Israel, propiciando até novos ataques no futuro? É possível destruir o Hamas, como propõe o governo de Tel Aviv? E se sim, a que custo? Na noite de 21 de outubro, milhares de israelenses foram às ruas pedindo a renúncia de Bibi e que Israel se concentre mais na libertação dos reféns do que na pura vingança. A ver.
ANTONIA MARIA NAKAYAMA
29/10/23 @ 16:33
O destino dos Palestinos está em nossas mãos?