A indignação precisa enfrentar as desigualdades
Leonardo Melgarejo – ambientalista e colaborador da Rede Democracia – G68
Estamos acostumados a escutar que todo problema complexo tem uma solução simples. E que esta, depois de contribuir para nossa alienação, embrutecimento e submissão aos poderosos da rua, da cidade, do estado e do planeta, se revela estúpida.
E na maioria dos casos isso parece ser verdade. Mas nem sempre o é. Pelo menos, não em todos os casos. E disso temos exemplos.
Vejamos no primeiro momento uma circunstância envolvendo solução simples, estúpida e bem aceita. Os homens mais ricos e poderosos deste planeta sustentam que os problemas enfrentados (e literalmente ampliados) pelas tecnologias e processos que os enriqueceram, e dos quais somos vítimas, serão solucionados com mais do mesmo. Propõem novas gerações de soluções tecnológicas concentradora de riquezas, sabendo que elas levarão a maior depredação dos ecossistemas, ampliação de processos discriminatórios, recrudescimento da violência militar etc. Neste tipo de encaminhamento, o pressuposto é de que as implicações positivas (?) seriam prevalentes e compensariam o lado negativo. Isto decorreria de uma saudável disputa onde todos enfrentariam a todos, ao sabor das leis de mercado, de modo que, os mais eficientes (eles) venceriam. A solução seria simples: está ruim? Deixe acontecer que no final vai melhorar. Os “melhores vencerão”.
Com esta leitura, e apostando em nossa passividade, acreditam que quando chegar a hora H, poderão se safar. Literalmente, citando o IHU:
“Jeff Bezos deseja emigrar para o espaço, (que) Elon Musk quer colonizar Marte, (que) Peter Thiel (o fundador do Paypal) aspira a imortalidade, em seu bunker na Nova Zelândia, e (que) Sam Altman, o criador do ChatGPT, (propôs) carregar sua mente em um supercomputador” (https://www.ihu.unisinos.br/632350-os-bilionarios-da-tecnologia-estao-se-preparando-para-a-catastrofe-que-eles-proprios-provocaram-entrevista-com-douglas-rushkoff) .
Ali estão bons exemplos de soluções simples, do tipo classicamente elaborado por pessoas egocêntricas e estúpidas, que por serem ricas, prevalecem. O pior é que apesar de terrivelmente inadequadas, enganosas e perigosas, estas interpretações tendem a prosperar. Mais do que isso, como elas geram vantagens para alguns, acabam alimentando imitadores que avançam apostando em processos de alienação, segregação, violência, discriminação, barbarismo, genocídio etc. Vemos isso entre nós. Tendo doces para dar ou promessas para acenar, criminosos e golpistas atraem tolos, puxa sacos, oportunistas, imitadores etc. Com isso, infelizmente, nesta época de medos e frustrações, tendem a se formar legiões. É emblemático o caso daqueles patriotários acampados na frente de quartéis, pedindo ditadura e cantando hinos para pneus.
Em outras palavras: pessoas psicologicamente capturadas tendem a seguir lideranças ungidas por determinada imagem de sucesso e isso se espalha em atrelamento a algum mecanismo de servidão voluntária, que atribui valor a mitos e soluções sem sentido. Como corolário, o rebanho rejeita vacinas, engole cloroquina com ivermectina e abandona todo questionamento a respeito das responsabilidades individuais para com os sentimentos, a sociabilidade humana, e a degradação das relações ecossistêmicas em geral.
Com isso, soluções simplesmente estúpidas, emitidas por lideranças desqualificadas, acabam se naturalizando e arrastam todas as formas de vida no mesmo frenesi: aquecimento global, pandemias, guerras, migrações em massa, racismo, xenofobia, golpismo, fascismo, bolsonarismo e o que mais se vê por aí.
Então, e no rumo desta conversa, resta crer que precisamos, não apenas desmascarar aqueles enganadores, como também, e principalmente, encontrar e valorizar outro tipo de liderança.
Precisamos de pessoas com propostas e interpretações consistentes, que aguentem críticas e que, uma vez confirmadas em seus fundamentos, agreguem universalidade capaz de mobilizar todas as forças disponíveis para enfrentamento dos problemas vitais que nos ameaçam.
Podem ser soluções simples? Sim, melhor que sejam. Mas desde que venham da mente de pessoas geniais.
Vejam que Darwin estabeleceu ligações de parentesco entre todos os organismos, ligando o tempo evolutivo às condições do ambiente, ele mudou nossa compreensão sobre a vida.
Vejam que Einstein uniu relações entre o tempo, espaço, energia e matéria numa equação linear tão simples que possui apenas um parâmetro e duas incógnitas. Ele mudou nossa compreensão do universo e da eternidade.
E vejam que o Lula resumiu o drama da crise planetária ao tratamento de apenas uma única variável. Ele disse, e agora passou a ser óbvio: precisamos enfrentar a desigualdade, em todas as suas formas. E isso pode mudar nossa compreensão a respeito do que nos cabe fazer.
O discurso de Lula na 78º Assembleia Geral da ONU, aplaudido por lideranças de todos os países do mundo, indica que ali ocorreu confluência entre a mensagem correta, enunciada por pessoa excepcional, no momento certo. Uma proposta simples para um problema assustadoramente complexo,
Agora resta a todos que o escutaram e entenderam, buscar lucidez, energia e coragem para colaborar na construção da força e da indignação necessárias ao enfrentamento e superação das desigualdades que alimentam a crise global, a xenofobia, a misoginia, a aporofobia, o ecocídio, as guerras, o degelo das calotas polares e a emergência do fascismo.
Ou o fazemos ou possivelmente perderemos os caminhos, proposições e contribuições de Darwin, Einstein, Copérnico, Galileu e tantos gênios, para o brilho e a elevação do espírito humano.