A Ditadura que permanece
Um Olhar de Dentro das Periferias Brasileiras pela Perspectiva de uma Mulher Negra
Por Marli Condes*
Como mulher negra e residente na periferia da zona sul de São Paulo, sou testemunha de uma realidade que muitas vezes é invisibilizada e silenciada. Embora a ditadura militar tenha oficialmente terminado há décadas, é inegável que suas consequências ainda ecoam em nossas comunidades periféricas. Neste artigo, compartilharei minha visão pessoal e reflexões sobre como a ditadura nunca realmente acabou em nossas realidades cotidianas, trazendo à tona questões relacionadas à violência estatal, marginalização e resistência.
A violência institucionalizada
A ditadura militar que assolou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985 deixou marcas profundas na história do país. Embora oficialmente tenha terminado há décadas, é importante reconhecer que, em muitos aspectos, essa ditadura nunca realmente acabou, especialmente nas periferias brasileiras. Nessas regiões, onde a desigualdade social e a marginalização são predominantes, as comunidades continuam sofrendo com um estado de opressão e violência que se assemelha às práticas autoritárias do passado.
A continuidade da violência estatal
Nas periferias, a presença do Estado é muitas vezes marcada pela violência policial desproporcional e pelos abusos contra os direitos humanos. Operações policiais truculentas, execuções sumárias e o uso excessivo da força são constantes. A falta de prestação de contas e impunidade para os responsáveis por esses atos perpetua a cultura de violência e opressão que caracterizou o regime militar.
Como mulher negra, vejo dentro do meu território a intersecção de opressões que muitas vezes resulta em abusos desproporcionais por parte das autoridades. Operações policiais invasivas e truculentas, revistas humilhantes e até mesmo violência física são algumas das experiências vivenciadas por nós. Essa violência institucionalizada é uma lembrança constante de que a ditadura persiste, afetando diretamente a vida e a dignidade das mulheres negras periféricas, que na grande maioria são seus filhos que sofrem essas violências.
Discriminação e marginalização
Aqui também incluo as outras violências que as mulheres negras periféricas enfrentam a discriminação racial e de gênero em várias esferas da sociedade, negligência do poder público , que falha em prover serviços básicos de qualidade . A falta de oportunidades de emprego digno, a desigualdade educacional, o acesso limitado à saúde e a ausência de infraestrutura adequada são apenas alguns exemplos dessa marginalização contínua. Esses fatores se entrelaçam, criando um ciclo vicioso que nos mantém à margem da sociedade e perpetua a ditadura socioeconômica que enfrentamos.
Silenciamento e repressão
A ditadura militar no Brasil foi marcada pelo controle da informação e pela repressão à liberdade de expressão. Embora a censura formal não seja mais uma prática institucionalizada, nas periferias existe uma sensação de silenciamento e marginalização. As vozes das comunidades são frequentemente ignoradas, e as manifestações e protestos populares são reprimidos, reforçando a ideia de que a ditadura não acabou para aqueles que lutam por seus direitos.
Resistência e resiliência
Apesar dos desafios enfrentados, as mulheres negras periféricas têm sido agentes poderosas de resistência e resiliência. Encontramos força em nossas comunidades, nas redes de apoio que criamos entre nós e na nossa própria capacidade de lutar por nossos direitos. Por meio de coletivos, grupos de ativismo e iniciativas de empoderamento, buscamos quebrar os grilhões impostos pela ditadura, reivindicando nossas vozes e espaços.
A urgência da transformação
É fundamental reconhecer que a ditadura nas periferias brasileiras é um problema urgente que demanda atenção e ação. A luta contra essa ditadura silenciosa deve envolver a sociedade como um todo, desde os governantes até os cidadãos comuns. É necessário investir em políticas públicas que promovam a igualdade de oportunidades, garantam o respeito aos direitos humanos e combatam o racismo estrutural e a violência de gênero. Além disso, é fundamental amplificar as vozes das mulheres negras periféricas, fornecer espaços de poder e construir alianças solidárias para promover a justiça social e a equidade.
Como mulher negra, periférica da zona sul de São Paulo, vivencio a persistência da ditadura em meu dia a dia. A violência institucionalizada, a discriminação e a marginalização são apenas algumas das manifestações dessa realidade. No entanto, a resistência e resiliência das mulheres negras periféricas são fontes de esperança e transformação. É imperativo que todos se unam nessa luta, reconhecendo e enfrentando a ditadura que ainda assombra as periferias brasileiras. Somente por meio da conscientização, solidariedade e ação coletiva poderemos construir uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas, independentemente de sua origem social, raça ou gênero.
*Marli Condes, ativista de direitos humanos, membra da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e atualmente trabalho na construção da Rede Democracia.
A Ditadura que permanece – Fala Aí Serviço Social
02/08/23 @ 18:39
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